É bom ter um mestre, ainda mais quando ele lhe corresponde. No último dia 13, eu iniciei uma batalha em que meu único adversário era eu mesmo. Saí de Arapiraca logo cedo para fazer a prova de conhecimento específicos do mestrado de direito da UFAL, no qual concorria à única vaga de Teoria Geral do Direito. Lá, fui agraciado com o sorteio do ponto em que estava mais preparando: Teoria da Norma Jurídica. Fiz a dissertação, passei... dos 83 candidatos, somente 25 foram para a fase subsequente. No dia 14, voltei à Maceió; era a prova de inglês. Num texto em Ronald Dworkin era várias vezes citado, tirei a nota 07. Foi então quando me preparei uma semana para defender o projeto.
Ele falava sobre a incidência das normas constitucionais como sendo uma etapa necessária à constitucionalização dos direitos. Aliás, esse era o tema. Fazia uma crítica ao ponto de referência (teoria sancionista) que José Afonso da Silva usou para formular sua teoria da aplicabilidade das normas constitucionais. Pugnava que a utilização da teoria não-sancionista serviria melhor para descrever o fenômeno jurídico das normas constitucionais. O principal argumento, e talvez o meu erro, foi dizer que as normas infraconstitucionais incidiam e a relação jurídica gerada a partir do fato jurídico continha direitos subjetivos constitucionalizados. Eu cheguei a essa conclusão refletindo no seguinte fato: o que acontece quando a Constituição descreve uma norma princípio, por exemplo, que tem no seu suporte fático um elemento semelhante, senão igual, ao de uma norma infraconstitucional? Será que ela incide? Quando a norma constitucional diz que é princípio fundamental da República a dignidade humana, traz em suporte fático o homem, pessoa humana, como um de seus elementos. Por sua vez, a personalidade tem como suporte fático, também, a pessoa. Daí eu pensei: sempre que a norma do art. 2º do CC incide, incide também o art. 1º, III da CF/88. Logo, pode-se dizer que o direito subjetivo advindo da relação jurídica absoluta da personalidade é constitucionalizado.
Pois bem. Tudo isso estava em minha mente até eu entrar naquela sala. Sentado estavam os Professores Querino, Gabriel Ivo, Marcos Mello e outro que não me lembro o seu nome. Aliás, além do fato de estar o tempo todo falando ao celular, em nenhum momento ele me dirigiu a palavra. O clima não era bom, era tenso, carregado, enquanto eu falava apenas o Prof. Marcos me olhava atentamente. Quando terminei, vieram as perguntas. O primeiro foi Prof. Gabriel. Antes de me perguntar, ele passou as dezoito laudas do meu projeto, dizendo, em cada uma delas, um defeito que havia vislumbrado. Aquilo foi terrível. Tentando explicar porque a teoria não-sancionista merecia ser a base teórica (pois na minha concepção, a teoria sancionista de José Afonso trabalha com a interpretação e a aplicação, deixando de lado os planos da incidência e do atendimento) ele me cortou dizendo: e esse plano do atendimento? Nem Pontes de Miranda falou sobre ele... Aquilo quase me fez saltar da cadeira e, mesmo que me custasse a reprovação, eu iria lhe dizer: com todo respeito, o senhor está errado. No entanto, ele parecia não ter tanta certeza e, sem me dar tempo para responder, virou para o Prof. Marcos e disse: não é professor Marcos? Até agora eu não sei por que Marcos Bernardes de Mello disse: é.
“A incidência das regras jurídicas não falha; o que falha é o atendimento a ela. Se se escreve, por exemplo, que, se há infração da regra juridica, a incidência da regra falha em realidade, está-se a falar em acontecimento do plano do atendimento (ai, dito da realidade), com os olhos fitos no plano das incidências, que é o do mundo jurídico, o plano do pensamento. (PONTES DE MIRANDA, Tratado de Direito Privado)”
Dr. Adriano, eu não passei. Fui um dos poucos que não conseguiu atingir a nota 07 no projeto. Estou triste, não posso negar... queria estar lá e aprender, pois sei, agora mais do nunca, que não sei de nada. Mas não vou desistir. Quando li esse artigo sobre o Prof. Ovídio Baptista eu pensei: por que o Dr. Adriano trocava idéias com alguém de um lugar tão distante quando o Prof. Marcos havia sido seu professor e estava aqui bem perto? E por que ele falou que ficava se debruçando, solitariamente, nos Comentários ao CPC, quando a maior autoridade a defender o pensamento de Pontes parecia ser o Prof. Marcos?
Prof. Adriano, se posso lhe chamar assim, eu peço minhas humildes desculpas por ter tomado o seu tempo caso o sr. tenha lido todo esse desabafo. Nossa natureza sempre procura causas para nosso insucesso. A causa do meu foi eu mesmo. Achei que poderia impressionar. Acabei ficando impressionado. Não vou lhe bajular, acho que o sr. já tem muitos ao seu redor. A partir de hoje vou iniciar uma jornada no silêncio das madrugadas, eu e os livros, ninguém melhor para me “orientar”.
Termino dizendo o relato de Carlos Drumonnd de Andrade, quando o seu professor lhe deu a nota máxima e em seguida lhe disse (as frases não foram bem assim): é... foi bom, poderia ficar melhor, mas, ainda assim, lhe dei a nota máxima. Drumonnd não aceitou e pediu que lhe fosse dada a nota que ele realmente merecia. O professor se sentiu desrespeitado e, juntamente com a diretoria, expulsou o jovem Drumonnd. O motivo: insubordinação mental. Prefiro ser um insubordinado mental a ter que aceitar uma tese que não acho correta só para, no final das contas, ostentar um título de “mestre”.
Boa noite Dr. ASC.