Fernando, o relativismo hermenêutico é uma praga que tem que ser militantemente combatida, porque legitima qualquer interpretação, mesmo aquela que litiga claramente com o sentido expresso no texto do direito positivo. Claro que esse é um dos pontos que discordo do prof. Ovídio Baptista, nada obstante não chegue ele nem de perto na visão formalista extremada de Paulo de Barros Carvalho. Ovídio adota a afirmação de que a interpretação cria a norma, porém não apenas a interpretação vertida em uma norma individual e concreta, em um texto escrito, como quer o realismo linguistico.
Perceba você, porém, que os que vêem a interpretação como ato criativo da norma não cuidam em explicar como se daria esse salto do ato individual de vontade ponente de normas para a sua percussão social. Como poderia a minha interpretação de um texto legal vincular outras pessoas, sem que as outras pessoas possam compreender e participar intersubjetivamente desse novo; sentido atribuído ao texto. Mais ainda: se eu atribuo sentido, posso atribuir àquela interpretação uma nova interpretação, já agora minha, que criaria um novo sentido, de terceiro grau, sobre o sentido criado pelo intérprete, de segundo grau, em relação ao texto originário. Qual deles estaria certo? Poderia você dizer que a minha interpretação daquela interpretação de um texto legal está errado, quando se admite que a interpretação é atribuição de sentido?
Esse jogo poderia ir ao infinito, restando vazia a prescritividade do direito. Se todo intérprete cria sentido, todo sentido pode ser criado, não havendo certo ou errado, válido ou inválido, sustentável ou insustentável... Todo sentido seria, desde o inpicio, vencedor, porque admitido como possível, como resultado de um ato de vontade, não um ato de conhecimento. Atribuir sentido é criar, não é conhecer.
Ovídio, aliás, cometeu alguns equívocos - e tive oportunidade de dizer-lhe em uma das tantas boas conversas que tivemos - quando defendeu a concessão de mais poderes aos juízes de primeiro grau, sobretudo na concessão de tutelas de urgência. Mais essa é uma outra questão.
Os grandes pensadores também se equivocam, seguem caminhos falhos. Isso não os diminui, porque o que os difere é a capacidade de abrirem novos caminhos, de irem mais a fundo onde outros ficaram pelo caminho. Por isso devemos ser reverentes aos estudiosos, mas sempre ireverentes aos pensamentos. Com isso podemos pensar com liberdade e buscar ir, também nós, um pouco além.