A obra (cito sempre a 5ª ed.)começa com uma importante distinção entre texto e norma. Norma seria o sentido construído pela interpretação sistemática dos textos normativos. O objeto da interpretação, portanto, seriam os textos; o seu produto, a norma.
Embora seja assim, Humberto Ávila (HA) sublinha, na linha da corrente analítica do direito, que "e;não há correspondência biunívoca entre dispositivo e norma"e;. Pode haver norma sem dispositivo, como ocorre com o princípio da segurança jurídica; pode haver dispositivo sem norma, como a proteção de Deus de que fala a Constituição de 1988; pode haver mais de uma norma retirada de um dispositivo; e pode haver uma única norma construída a partir de vários dispositivos.
Essa dissociação entre texto e norma, entre dispositivo e norma, perpassa toda a obra de HA, e será fundamental para o relativismo das suas conclusões teoréticas. A questão a saber é: até onde HA aposta as suas fichas nessa dissociação entre texto e norma? Para HA, o significado (que é a norma) "e;não é algo incorporado ao conteúdo das palavras, mas algo que depende precisamente de seu uso e interpretação"e; (p.31). Sendo algo externo ao texto, a norma seria construída pela interpretação, que não seria um ato de descrição, mas um "e;ato de decisão"e;, que constitui a significação e os sentidos de um texto (p.31-32). Sendo criativa a interpretação, não haveria uma interpretação correta ou errada, mas apenas "e;versões de significados"e;, concretizados no/pelo uso.
A sensação que tenho é que HA entrou em uma embarcação e, de repente, percebeu que ela estava à deriva. Na prendia o seu barco, como nada prenderia o significado ao texto. Indo para correntezas perigosas, HA tenta lançar uma âncora, sem muito peso, para evitar, ao menos, que a embarcação se perca de vez. De repente, assevera ele que essa construção da norma pelo intérprete não deve levar à conclusão de que "e;não há significado algum antes do término desse processo de interpretação"e;. E, surpreendentemente, assevera a existência de "e;significados mínimos"e; incorporados ao uso da linguagem: "e;há sentidos que preexistem ao processo particular de interpretação"e; (p.32)
Ora, como conciliar afirmações tão díspares em uma mesma página? Ou a interpretação é um ato de decisão, com uma natureza eminentemente constitutiva, e aí não haveria como se falar em significados preexistentes, ou a interpretação partiria de um dado, de estruturas preexistentes, que limitariam o processo interpretativo, de modo que pudéssemos falar em interpretações corretas ou erradas, válidas ou inválidas, justamente porque poderíamos cotejar o produto da interpretação com o texto interpretado.